Artigo - Autodeclaração, outro nome para a boiada do Salles
No dia 19 de maio, a Polícia Federal bateu na casa do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, aquele do “passar a boiada”, e foi afastado do cargo o presidente do Ibama, Eduardo Bim, com mais 10 agentes públicos, por ordem do Supremo Tribunal Federal na Operação Akuanduba.
A PF investiga a edição de um despacho pelo Ibama, em 2020, que teria permitido a exportação de produtos florestais sem a necessidade de emissão de autorizações.
É nessa perspectiva que analiso a chamada autodeclaração, nome dado quando o licenciamento implica confiança nas declarações do próprio empreendedor para dar as licenças. As justificativas são dar “celeridade” e “desburocratizar” o licenciamento de obras, levando a um processo simplificado.
As iniciativas fazem parte da uma estratégia do agronegócio e das grandes construtoras, nos níveis federal, estadual e municipal, para “passar a boiada” dos empreendimentos sem exame dos órgãos técnicos e de fiscalização
COMO A AUTODECLARAÇÃO APARECE HOJE?
NO BRASIL
A autodeclaração aparece no PL 3729/2004, aprovado na Câmara dos Deputados dia 13 de maio na forma do substitutivo apresentado pelo deputado federal Neri Geller (PP-MT) e que vai agora ao Senado. O PL dispõe sobre o licenciamento ambiental, regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal e dá outras providências.
Pelo substitutivo aprovado na Câmara, não precisarão de licença ambiental obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos, de distribuição de energia elétrica com baixa tensão, obras que sejam consideradas de “porte insignificante” pela autoridade licenciadora ou que não estejam listadas entre aquelas para as quais será exigido licenciamento, entre outras.
O autolicenciamento aparece na Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que será emitida automaticamente pelo órgão ambiental, sem análise prévia. Obras de duplicação e pavimentação de rodovias poderão ser feitas nessa modalidade, assim como a ampliação ou instalação de linhas de transmissão nas faixas de domínio.
Por SC, somente o deputado Pedro Uczai (PT) votou Não no projeto.
Embora, em termos absolutos, São Paulo tenha sido o estado que apresentou maior percentual de votos positivos (44), em termos relativos Santa Catarina ficou em primeiro lugar (87%).
EM SANTA CATARINA
A autodeclaração aparece no PL 105.9/2020, de autoria do deputado estadual Valdir Cobalchini (MDB), que permite o corte de vegetação sem a avaliação técnica do Instituto do Meio Ambiente (IMA). O projeto possibilita o licenciamento autodeclaratório a todas as atividades, mesmo as causadoras de significativo impacto ambiental, como mineração, metalurgia e portos. A justificativa para a proposta é dar maior “celeridade” ao licenciamento ambiental. O projeto está para análise na Comissão de Finanças e Tributação, com a deputada Luciane Carminatti (PT).
O projeto permite ainda o corte da chamada vegetação secundária em estágio inicial e médio de regeneração por procedimento autodeclaratório do interessado. Outros dispositivos propostos pelo deputado buscam apressar a emissão da licença. Na prática, bastará ao empreendedor apresentar os estudos e documentos ao IMA e automaticamente ter o poder de cortar a vegetação.
EM FLORIANÓPOLIS
A Lei 707/21, sancionada a partir do PL 1836/20 na Câmara Municipal, estabelece a autodeclaração de licenciamento para construções até 5 mil metros quadrados.
QUAL É O PROBLEMA DESSES PROJETOS OU LEIS?
Eles abrem mão do Estado em seu papel de regular e fiscalizar previamente obras e empreendimentos que possam causar impacto ambiental, o que rompe com o princípio constitucional e historicamente consolidado de análise e controle técnico prévio por parte dos órgãos afins. Ou seja, o que está por trás destas ações do grande capital é o desmonte do Estado regulador ou voltar o Estado somente para a reprodução ampliada do capital em todos os âmbitos de executivo, legislativo e judiciário.
Os órgãos responsáveis pela análise, controle e fiscalização não foram consultados, como o IBAMA em nível nacional, o IMA em Santa Catarina e o IPUF/SEPHAN em Florianópolis.
Não houve, na Câmara dos Deputados, amplo debate, com o PL 3729/2004 aprovado em regime de urgência. Na Câmara Municipal de Florianópolis, o PL 1836/20 foi aprovado em tempo recorde, no mês de recesso (janeiro), dentro do Pacotaço de Gean Loureiro (DEM).
O QUE FAZER?
- Fique de olho e apoie as mobilizações nacionais chamadas pela Frente Parlamentar Ambientalista, em https://www.frenteambientalista.com/
- Em breve vamos noticiar por aqui as mobilizações nacionais e locais, em especial no dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente!
Imagem: Print Screen do jornal Brasil de Fato