CICLISTAS SE ORGANIZAM E PROTESTAM CONTRA MODELO RODOVIARISTA QUE PRIVILEGIA AUTOMÓVEIS
No dia 29/01 acompanhamos a concentração de ciclistas na avenida Beira-mar Norte para a bicicletada até o Centro Administrativo, no Saco Grande, em protesto contra a morte de ciclistas (foram dois em menos de um mês, Róger Bittencourt e Simone Bridi) e para que se tomem providências imediatas e urgentes de segurança na Rodovia SC 401, conforme demandas de panfleto que foi distribuído no local (ver na foto).
Essa é a realidade de uma rodovia estadual dentro de uma Ilha-município de menos de 500 mil habitantes, o que é totalmente incompatível com a legislação urbana recente, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana, de janeiro de 2012, que prioriza em primeiro lugar o pedestre, depois o veículo não motorizado, depois o ônibus e por último o carro. Das capitais brasileiras, Florianópolis é que tem mais rodovias de alta velocidade, sete rodovias, totalizando 60 quilômetros.
MODELO ULTRAPASSADO
Com um desenho viário ultrapassado há décadas, repetido em todas as rodovias, as SCs, como a 401, não foram atualizadas nas áreas urbanas com a inclusão de ciclovias (e não ciclo-faixas), guard rail de proteção, semáforos de passagem (como na Beira-mar Norte), passeios longitudinais de largura adequada de passagem ou travessia (não túneis estreitos e mal iluminados), marginais devidamente projetadas e com conexões com a malha urbana, e faixas exclusivas para ônibus ou outro modal de transporte coletivo.
As mortes ocorridas são a trágica consequência de problemas há muito tempo denunciados e com poucas iniciativas feitas para solução efetiva. Em 2013, os moradores do João Paulo, junto ao Parque Alfa, fecharam as duas pistas da SC 401 para protestar contra o perigo do acesso e saída dos carros naquela região. Depois de algumas reuniões, pouco se avançou. Percebia-se naquela ocasião a intransigência de técnicos do Deinfra, insistindo em projetos de traçados das rodovias dos quais não fazem parte a vida urbana e as transversalidades de regiões que exigem cruzamentos.
Os atuais projetos ainda seguem a lógica daqueles feitos em grande parte na ditadura militar, impostos sem a menor participação da população, em municípios que foram literalmente cortados por rodovias. Com o processo intenso de urbanização, muitas destas vias de trânsito rápido ou autopistas, como as SCs dentro do município de Florianópolis, foram cercadas pela malha urbana, exigindo depois que elas se municipalizassem e mudassem seu desenho, como ocorreu com a Beira-Mar Norte, a qual foi sendo cortada por várias travessias e semáforos.
A grande maioria da população e a quase totalidade dos vereadores da capital defendem a municipalização das SCs. No entanto, o que impede esta iniciativa é a alegação de que os recursos para manutenção deveriam ser transferidos do governo do estado para o município de Florianópolis, que teria que arcar com o ônus do custo de manutenção e isto teria implicações econômicas e políticas que travam a iniciativa.
No entanto, cabe ao gestor público municipal, no caso o prefeito da capital, gestionar junto ao governo estadual a transferência das SCs para o município, assim como os recursos necessários à sua manutenção e requalificação do traçado, o que não dispensa ajuda federal. Mas não dá para se esconder atrás do obstáculo financeiro da manutenção, contribuindo para o impasse ou não e para a resolução deste grave problema de mobilidade urbana que gera enorme impacto social para toda a sociedade. As mortes seguidas não são suficientes para o estado e o município tomarem providências urgentes? O que falta para iniciar essa discussão política, com a sociedade atuando na execução do projeto e da obra, de forma participativa, como determina o Estatuto da Cidade?
INICIATIVAS
Para enfrentar este problema e para discutir o modelo rodoviarista, realizamos pela Câmara Municipal uma Audiência Pública em outubro passado, sobre as obras de duplicação da SC 403, onde os problemas para ciclistas e pedestres repetem os problemas da SC 401. Na Audiência, um dos questionamentos ao projeto foi a falta de ciclovias adequadas, sendo que, em alguns trechos, a ciclovia é compartilhada com a calçada numa largura de somente 2,25m. Esse descaso é contraditório com o potencial do Norte da Ilha, onde há mais usuários de bicicletas, inclusive como alternativa ao carro para trabalho.
O resultado da Audiência pode ser visto em:
http://www.professorlinoperes.com.br/pagina/287/comunidade-cobra-melhorias-nas-obras-da-sc
O grupo de pesquisa Gemurb/UFSC (Grupo de Estudos para a Mobilidade Urbana Sustentável), do qual o vereador Lino Peres é coordenador, também apresentou projeto alternativo ao do Deinfra para atender às reivindicações da população. O arquiteto e urbanista Manoel Arriaga Andrade, que também é do Gemurb, explicou durante a apresentação que a ideia central é transformar a SC 403 de uma Autoestrada (projeto original) para uma via urbana (Avenida). Isso levaria a uma redução de velocidade, dos 100 km/h previstos, para no máximo 60 km/h, com uma travessia mais segura para pedestres, ciclistas e trânsito local. Também evitaria o “corte” do bairro por uma via rápida, garantindo assim a relação intrabairro e estabelecendo ainda um transporte público de qualidade. Infelizmente, essas propostas não foram contempladas naquela rodovia, inaugurada de forma incompleta, sem ciclovias e calçadas.
Sobre isso, nos manifestamos em:
http://www.professorlinoperes.com.br//pagina/474/sc-403-inaugurada-incompleta-e-sem-ciclov
Em função da pouca ou nenhuma resposta da Secretaria de Transportes do estado e do Deinfra diante das reclamações das lideranças locais em mais de uma reunião, o vereador Lino Peres entrou com uma representação junto ao Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado para exigir providências de modificação do projeto e reparação da própria obra, que colocava em risco os pedestres e ciclistas da região. O Mandato aguarda a tramitação do que foi solicitado ao Ministério Público do TCE. Infelizmente, a obra da SC 403 foi feita às pressas, com verba suplementar pelo estado, mas teve esses vários problemas de traçado, que devem ser reparados urgentemente. A pesquisa do Gemurb constatou que o valor de uma rodovia urbanizada e humanizada seria de menor custo e com menor ameaça a pedestres e a ciclistas do que uma rodovia cortando a cidade, além dos argumentos já expostos.
Na Câmara, ainda sobre este tema, apresentamos projeto de lei complementar para que haja infra-estrutura de bicicletário nas edificações, com vestiário e chuveiro, para trabalhadores que usem bicicleta para ir ao trabalho.
É importante ressaltar o quão imprescindíveis são as mobilizações da sociedade organizada, como a que ocorreu nesta sexta-feira, pressionando o poder público a cumprir seu papel. Felizmente, hoje, cada vez mais, a sociedade é participante e ativa e questiona estes projetos de natureza rodoviarista, que colocam em perigo permanente os pedestres e ciclistas. Esta mobilização continuará em nova atividade em 14 de fevereiro.